DIQUE
Fernanda Pitta
Em Colagem Sobre o Robô K456, de 1964, Nam June Paik afirmava a poor art (de Cage, Stockhausen, da performance e dele mesmo) em contraposição à pop art.A música, entendida como arte coletiva, contra a pintura, vista como arte privada. Perniciosa como as drogas, a China ou o átomo, a pintura era declarada uma inimiga da arte transformadora. Num contexto em que a arte se propunha a confundir-se com a vida, alargar seus limites, a pintura parecia um meio fadado ao desaparecimento.
Mais de quarenta anos depois, a pintura continua aí, não sem ter passado incólume a esse processo e questionamento. Ela se mostrou matérica, coletiva, pública, urbana, hiper-realista, acusadora das mentiras da fotografia ou sua cúmplice, entre muitas outras figurações. Surpreendentemente, num desses revezes da história, aquilo que fora dado como esgotado, mostrou uma capacidade sem fim de reinvenção. Não que seus impasses tenham sido resolvidos: ela continua sendo uma arte excludente, que precisa de proteção, iluminação e distanciamento adequados. Continua sendo algo cuja apreciação é, antes de tudo, individual. Necessita de respiro, atenção, permanência.
São essas mesmas restrições que podem, hoje, ser de grande interesse. A pintura demanda não a percepção distraída do fluxo constante das imagens que nos envolve no dia a dia. Pede uma parada, um estado de reflexão e, de certa forma, atua no sentido de impedir a dissolução das imagens no borrado do mundo.
Flávia Metzler tem um trabalho bastante consciente dessa situação. A proposta que fez no espaço do piso Caio Graco do CCSP funcionou como um dique. Uma grande pintura convida à apreciação de pequenas pinturas guardadas em seu interior. O dique represa, mas, ao mesmo tempo, permite escoar o fluxo de pessoas e contribui para esclarecer a relação entre o indivíduo e o espaço, as imagens representadas e a própria situação desse indivíduo. São imagens que, por sua natureza e pela forma como são expostas, adquirem o direito de se mostrarem conhecidas, de serem reconhecidas. A elas é permitida a recapitulação de sua origem e múltiplos destinos: de onde eu a conheço? Por que ela pode estar aqui? A elas pode se atribuir sentido. Não é pouco o que oferece essa artista.